CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA

Diálogo interativo relativo ao 5.º e 6.º Relatórios de Portugal

sobre a implementação da Convenção e dos Protocolos Facultativos sobre a Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis e sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados

 

(Genebra, 19 de setembro de 2019)

Intervenção de Abertura

 

  1. E. Embaixador Rui Macieira

Dra. Rosário Farmhouse

Senhor Presidente,

Senhora e Senhores Relatores,

Senhoras e Senhores Membros do Comité,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Em primeiro lugar, permitam-me expressar a minha satisfação pessoal e a da Delegação pela oportunidade que nos é dada de apresentar no âmbito deste Comité, em nome de Portugal, o 5.º e 6.º Relatórios sobre a implementação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e dos Protocolos Facultativos sobre a Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis e sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados.

É uma honra para Portugal dialogar com o Comité dos Direitos da Criança no ano em que se celebra o 30.º aniversário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, o instrumento internacional que, por excelência, universaliza os direitos de todas as crianças.

Permita-me que cumprimente e dirija uma palavra de agradecimento a todos os membros do Comité, e nomeadamente ao Senhor Presidente e aos membros relatores para Portugal, a Senhora Suzanne Aho Assouma, o Senhor Bragi Gudbrandsson e o Senhor Cephas Lumina, pela lista de questões adicionais que nos apresentaram e que orientará o nosso diálogo.

Passarei, agora, a palavra à Co-Chefe de Delegação, Dra. Rosário Farmhouse, Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.

 

*

Senhor Presidente,

Senhora e Senhores Relatores,

Senhoras e Senhores Membros do Comité,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A infância não se repete, passa num instante! O seu tempo é único. Ao tornar-se Estado Parte da Convenção sobre os Direitos da Criança em 1990, e, posteriormente, dos respetivos Protocolos Facultativos, Portugal assumiu o compromisso de promover a implementação dos direitos de todas as crianças e de respeitar, proteger e garantir estes direitos, de acordo com a sua Constituição e com as normas internacionais aplicáveis, e através da adoção de legislação e de políticas nacionais que, nos diferentes domínios, dão corpo a esse compromisso.

Apoiamos sem reservas o papel fundamental das Nações Unidas na promoção e proteção dos direitos da criança. É, por isso, com satisfação que sublinho que, 30 anos volvidos, Portugal respondeu afirmativamente ao apelo lançado pela UNICEF, aceitando associar-se ao compromisso de renovação dos seus votos para com a total implementação da Convenção a nível nacional.

Saudamos especialmente o trabalho desempenhado por este Comité e pelas Representantes Especiais do Secretário-Geral sobre Violência contra Crianças e sobre Crianças e Conflitos Armados, bem como pela Relatora Especial sobre Venda e Exploração Sexual de Crianças.

As nossas trocas de pontos de vista serão, seguramente, construtivas e frutíferas, contribuindo para uma melhoria efetiva da situação dos direitos da criança em Portugal.

Acompanham-me os seguintes elementos na Delegação:

  • A Dra. Raquel Chantre e a Dra. Filipa Pereira, em representação do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
  • O Dr. Miguel Barros, o Major Pedro Ramos e a Inspetora Edite Fernandes, em representação do Ministério da Administração Interna;
  • A Dra. Catarina Pral, a Dra. Sónia Afonso e o Dr. Daniel Marinho Pires, em representação do Ministério da Justiça;
  • A Dra. Isabel Soares e a Dra. Maria Isabel Pastor, em representação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior;
  • A Dra. Maria João Horta e a Dra. Rosalina Rodrigues, em representação do Ministério da Educação;
  • A Dra. Margarida Santos e a Dra. Ivone Monteiro, em representação do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tutela a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens;
  • A Enfermeira Bárbara Menezes, em representação do Ministério da Saúde; e
  • O Dr. Eduardo Quá, em representação do Alto Comissariado para as Migrações.

A Delegação que se apresenta em Genebra revela a importância que Portugal atribui aos direitos da criança, em geral, e a esta discussão, em particular.

É de salientar o contributo da Provedoria de Justiça, órgão consagrado na Constituição da República Portuguesa de garantia dos direitos fundamentais e, mais em geral, dos direitos humanos, tratando-se da instituição nacional que dispõe de competência para a promoção e proteção dos direitos humanos, de acordo com os Princípios de Paris das Nações Unidas.

Importa ainda destacar a mais-valia da pluralidade de visões proporcionada pela participação de Organizações Não-Governamentais.

Portugal atribui extrema importância ao envolvimento da sociedade civil no processo de implementação e de elaboração de relatórios de direitos humanos, traduzida na já habitual prática de consulta dos relatórios nacionais à sociedade civil, antes da sua finalização, por parte da Comissão Nacional para os Direitos Humanos.

Senhor Presidente, Senhora e Senhores relatores e demais membros do Comité,

Portugal submeteu-se, pela última vez, a este diálogo em 2014, tendo, desde então, envidado todos os esforços no sentido de implementar as recomendações formuladas pelo Comité dos Direitos da Criança.

De entre os importantes desenvolvimentos registados, muitos correspondem aliás à execução das recomendações formuladas pelo Comité.

Na senda de uma das já mencionadas recomendações do Comité a Portugal, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, de que sou Presidente, coordenou a elaboração da Estratégia Nacional para os Direitos da Criança (2019-2022), que se encontra em fase de aprovação.

Cumpre assinalar que Portugal logrou garantir um elevado nível de participação no processo de elaboração desta Estratégia. Com efeito, a mesma assenta em contributos de múltiplas áreas governativas e de entidades. Contou, ainda, com os contributos das próprias crianças, cujas perspetivas foram recolhidas através de ações de participação e de auscultação.

A Estratégia Nacional para os Direitos da Criança (2019-2022) constitui uma abordagem holística que pretende contribuir para a construção das bases de um novo ciclo de planeamento em matéria de infância e juventude, desenhando uma visão integrada, abrangente e sistémica que visa a construção colaborativa de um futuro comum, estruturante e sustentável, conforme também propugnado pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Senhor Presidente,

Do conjunto de Planos Nacionais de direitos humanos de que Portugal dispõe, assumem particular relevo para a realização dos direitos da criança, entre outros, a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação (2018-2030); a Estratégia de Saúde para as Pessoas LGBTI; a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (2013-2020); a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania; IV Plano de Ação para a Prevenção e o Combate ao Tráfico de Seres Humanos (2018-2021); e o Programa ROMA Educa.

Senhor Presidente e demais membros do Comité,

No sentido de dar prossecução à recomendação do Comité dos Direitos da Criança ao Estado Português relativa à adoção de uma Estratégia Nacional abrangente para a aplicação da Convenção, cumpre salientar que o reforço das competências da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, em 2015, já produziu efeitos visíveis.

Desde logo, o reforço da capacidade de intervenção do sistema de proteção, através da criação de Equipas Técnicas Regionais no seio dessa Comissão Nacional e da atribuição de novas competências protetivas às Entidades com Competência em Matéria de Infância e Juventude.

Acresce a este reforço a aposta de Portugal em políticas promotoras da qualificação do Sistema de Promoção e Proteção, tendo-se verificado o alargamento da proteção de crianças e jovens em perigo até aos 25 anos, caso estes assim o entendam; procurou-se também regularizar o estatuto jurídico das crianças e jovens de nacionalidade estrangeira acolhidos em instituições do Estado ou equiparadas.

Importa ainda referir que a reforma legislativa em matéria de infância ocorrida em 2015 veio dar particular ênfase ao acolhimento familiar, cujo diploma foi recentemente publicado, no elenco das medidas de promoção e proteção que prevalecem sobre a de acolhimento residencial, em especial para as crianças até aos seis anos.

Senhor Presidente,

As crianças e os jovens de hoje crescem numa realidade cada vez mais dinâmica e urge estar à altura de vencer novos desafios que se entrecruzam e que surgem de forma cada vez mais célere, quer em contexto físico, quer no mundo digital. Nesse sentido, é importante reforçar as políticas de apoio a uma parentalidade positiva, que responda, efetivamente, a estes novos desafios.

Senhor Presidente, caros membros do Comité,

É fundamental o desenvolvimento de novos mecanismos de adaptação do tempo das instituições ao tempo das crianças e às suas necessidades e especificidades.

Foram registados progressos significativos, designadamente no domínio da justiça, em áreas tão variadas como a adoção, a proteção de crianças e jovens em risco ou em conflito com a lei ou a regulação das responsabilidades parentais, visando a concretização plena de uma justiça amiga das crianças, sendo estas convidadas a participar e a intervir, sem intermediários, de acordo com a sua maturidade e entendimento.

Por outro lado, procedeu-se à alteração do Código Civil com vista a promover a regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica, de forma a garantir uma maior proteção dos direitos das crianças e da sua integridade física e emocional.

A componente formativa de magistrados e de todos os elementos das Forças e Serviços de Segurança orientada para uma cultura de defesa e garantia dos direitos humanos é determinante para estes desenvolvimentos.

Senhor Presidente e demais membros do Comité,

No que diz respeito à violência sexual contra crianças, apraz-me referir o Estatuto da Vítima, que confere peculiar atenção à criança enquanto vítima de particular vulnerabilidade.

Portugal dispõe, ainda, de um centro de acolhimento exclusivo de crianças e jovens vítimas de tráfico de seres humanos.

No contexto da promoção dos direitos das crianças e jovens LGBTI, realça-se a aprovação legislativa que assegura o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e a proteção das características sexuais de cada pessoa, permitindo a jovens entre 16 e 18 anos requererem a mudança da menção do sexo no registo civil através dos seus representantes legais e proibindo, entre outras ações, intervenções não consentidas para alterar características sexuais. Deste desenvolvimento decorreu, ainda, o estabelecimento de medidas administrativas que visam garantir a não discriminação destas crianças e jovens em ambiente escolar.

Senhor Presidente,

Ainda ao nível do direito à saúde, e para além do sucesso traduzido na continuação do registo de reduzidas taxas de mortalidade infantil, assinala-se a centralidade atribuída à prevenção num modelo de resposta de cuidados integrais à violência interpessoal, num momento em que se celebra o 40.º aniversário do Serviço Nacional de Saúde.

Senhor Presidente e demais membros do Comité,

Tendo por base os resultados das ações inspetivas periódicas da Autoridade das Condições de Trabalho, podemos afirmar que, em Portugal, o fenómeno do trabalho infantil se encontra erradicado, em resultado da execução do Plano para a Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil, do Programa para a Inclusão e Cidadania (PIEC) e do esforço continuado, cooperativo e comum, de regulação da vida económica e social associada ao trabalho infantil, tendo em vista a salvaguarda da infância.

Portugal tem vindo a proceder a uma ampla reformulação das prestações e apoios sociais, em especial as que se destinam às crianças com deficiência ou a residir em agregados familiares em situação de maior vulnerabilidade social.

No quadro de uma política de melhoria das condições de vida das famílias, o Salário Mínimo Nacional tem vindo também a ser gradualmente revalorizado. Nos últimos quatro anos foi aumentado perto de 19% em termos nominais, o que se traduziu numa valorização real próxima dos 14%.

Senhor Presidente,

Num mundo em que os fluxos migratórios são uma constante realidade, é determinante continuar a criar novas formas de aprendizagem para uma vivência no respeito pela diversidade, fomentando uma educação intercultural e sensível à preservação do ambiente.

Portugal aprovou, em 2017, sem nenhum voto contra, a alteração legislativa do regime jurídico de combate à discriminação racial e étnica.

Permita-me que mencione, de forma viva, o trabalho desenvolvido por Portugal no que diz respeito à inclusão de crianças e jovens de contextos vulneráveis, particularmente descendentes de migrantes e crianças e jovens ciganos, através do Programa Escolhas. Atualmente na sua 7.ª Geração, o Programa Escolhas apoia 103 Projetos, 71% dos quais envolvendo crianças, jovens e famílias ciganas e integram ainda 10 Dinamizadores Comunitários ciganos.

O envolvimento das Forças de Segurança, através do Programa Escola Segura, na promoção da interculturalidade, da cidadania, da igualdade de género e da defesa dos direitos das comunidades minoritárias reflete-se nas quase 3.000 ações de sensibilização que realizaram nas escolas em 2018.

Senhor Presidente e demais membros do Comité,

Na garantia do direito à educação, Portugal tem vindo a dar passos muito significativos para que todas as crianças, dos 3 aos 18 anos, frequentem instituições educativas e para que a generalidade esteja efetivamente a realizar as aprendizagens esperadas para a sua idade, tendo em conta os seus perfis e contextos, e em condições de concluir o ensino secundário.

Registou-se, ainda, a redução expressiva das taxas de abandono precoce da educação e formação, caindo de 17,4% em 2014 para 11,8% em 2018, aproximando-se assim da média europeia.

A disponibilização de manuais escolares gratuitos a todas as crianças, que este ano letivo abrangeu, pela primeira vez, todos os alunos do 1.º ao 12.º anos de escolaridade, mostra bem o compromisso do Estado Português com a garantia de uma educação efetivamente gratuita e para todos, realizada em igualdade de oportunidades.

Também no caso das comunidades ciganas, tem-se vindo a melhorar o sistema de monitorização, tendo-se lançado um inquérito às escolas para conhecer em detalhe a situação escolar das crianças ciganas.

Senhor Presidente,

Concluindo a minha intervenção, reitero que Portugal é um país fortemente empenhado em assegurar os mais elevados níveis de promoção e de proteção dos Direitos Humanos, e, acima de tudo, da promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens.

É certo que a realização plena dos direitos das crianças e dos jovens, exige uma dedicação individual e coletiva constante. É igualmente certo que esta é uma tarefa de execução permanente e sempre inacabada.

Conscientes dos desafios que ainda persistem e de outros que, novos, surgem, e da necessidade de envidar esforços adicionais em determinados setores, reiteramos o nosso respeito pelo trabalho muito importante que esse Comité desenvolve em prol da promoção e da proteção dos direitos da criança, no sentido da consecução de objetivos de que Portugal partilha inteiramente.

É, pois, com este espírito construtivo que Portugal se apresenta perante o Comité dos Direitos da Criança, certo de que este diálogo intenso constituirá um contributo valioso para avançarmos na causa que nos une.

Eu própria e os membros da nossa Delegação estamos prontos, a partir de agora, para responder as vossas questões.

Muito obrigado pela vossa atenção.

 

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