108.ª Conferência Internacional do Trabalho

 

Genebra, 19 de junho de 2019

Senhor Presidente da Conferência Internacional do Trabalho,

Senhor Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho,

Senhoras e Senhores delegados,

Senhoras e Senhores,

 

Saúdo todas e todos os participantes nesta Conferência tão especial da Organização Internacional do Trabalho, que este ano comemora o seu centésimo aniversário.

Ao longo destes 100 anos, é incontestável a influência que a OIT tem exercido no plano internacional, na evolução legislativa e na adoção de políticas sociais em favor da promoção do emprego, da garantia dos direitos no trabalho, da extensão da proteção social, do desenvolvimento do diálogo social e da promoção da igualdade de género. Esse mérito é por todos reconhecido, como prova a atribuição, em 1969, do Prémio Nobel da Paz.

Os fundamentos e princípios da Constituição da OIT assumem um profundo significado político e definem a sua matriz ideológica. A sua estrutura tripartida, juntando governos, trabalhadores e empregadores, não tem paralelo em nenhuma outra organização internacional.

Nas últimas décadas, em todo o mundo, as exigências da globalização, associadas ao progresso tecnológico acelerado, implicaram mudanças profundas nas lógicas produtivas e organizacionais. E levantam desafios complexos para o mundo do trabalho.

Num repto lançado pela OIT, temos, ao longo dos últimos meses, participado num debate sobre o futuro do trabalho. Várias visões têm sido apresentadas. Umas, anunciando a destruição de milhões de empregos; outras, asseverando que a criação de novos empregos acompanharia a destruição de empregos antigos e permitiria até a sua qualificação; todos seguramente não podem deixar de ter consciência que, em qualquer caso, nem há correspondência direta entre emprego criado e emprego destruído e nem os novos trabalhadores serão  simplesmente sejam os antigos trabalhadores tranquilamente reconvertidos.

O que é certo é que:  a consciência do desafio é essencial porque o trabalho continuará a ser um fator preponderante na organização da vida coletiva e o seu futuro dependerá da vontade humana e de escolhas coletivas.

Mais do que nunca, o diálogo social e o tripartismo, que está no coração da agenda da OIT para o trabalho digno, desempenha um papel essencial para traduzir desenvolvimento económico em progresso social, para alcançar consensos alargados sobre políticas nacionais e internacionais e para promover a regulação laboral eficiente em cada país, setor e empresa.

Mais do que resistir à mudança, importará, pois, moldá-la, enquadrá-la, condicioná-la àquela que for a visão coletiva do futuro do trabalho e do trabalho do futuro.

Se é certo que as economias enfrentam hoje desafios globais de enorme complexidade, também é verdade que a inovação e as qualificações constituem os principais trunfos para a sua superação, potenciando as oportunidades de criação de emprego mais qualificado, mais estável, mais motivador, como sucedeu aliás em todos os grandes momentos de transição de paradigma económico.

A revolução tecnológica e digital está a redesenhar os mercados de trabalho: a natureza do trabalho, a forma de trabalho, o local de trabalho, a organização do tempo de trabalho, exigindo uma alteração das competências profissionais dos trabalhadores e uma nova capacidade para inovar.

E porque estes desafios não são apenas locais ou nacionais, impõe-se a necessidade de governação à escala internacional.

Neste âmbito, é incontornável a referência ao Relatório “Trabalhar para um Futuro Melhor” da Comissão Mundial Sobre o Futuro do Trabalho, lançado por ocasião do 100.º Aniversário da OIT.

Este relatório é um documento disruptivo e responsável. Disruptivo, porque não se limita a identificar os riscos, procurando encontrar respostas para os desafios do futuro. Responsável, porque aponta uma agenda ambiciosa de compromissos de responsabilidade tripartida.

Ao enfatizar o conceito do trabalho digno, a OIT coloca as pessoas no centro da agenda.

Como, e bem, refere o relatório, este é o momento de melhorar a qualidade do trabalho e de aumentar o investimento nas pessoas, promovendo a educação e a formação e garantindo o direito universal à aprendizagem ao longo da vida. Esta é, provavelmente, a maior revolução que esta transformação tecnológica vai exigir.

Este é o momento de expandir as oportunidades de escolha, de fechar o gap de género, de combater a pobreza e reduzir as desigualdades, assegurando uma proteção social mais inclusiva do nascimento à velhice.

E, como também refere o relatório, importa preservar a relação indissolúvel entre o mercado de trabalho e a proteção social, sendo imperativo reforçar e reinventar a ligação entre direitos e deveres na relação laboral e na proteção social.

Este é também o momento de refletir sobre a necessidade de alargar o controle sobre os tempos da nossa vida, garantindo equilíbrios justos e sustentáveis entre trabalho e vida pessoal e entre quem tem e quem não tem trabalho.

Esta é uma discussão não apenas para o dia de hoje, ou sequer para os próximos meses ou anos. É um objetivo de longo prazo, de civilização, mas é um objetivo imprescindível. Atualmente, as pressões para prolongar a jornada efetiva de trabalho são muito fortes em alguns setores. A tecnologia tende a permear e a invadir os nossos períodos de descanso. A estas pressões temos de resistir com a velha sabedoria: de que a tecnologia deve servir a sociedade e ajudar as pessoas a trabalhar melhor, mas também a viver melhor.

Por outro lado, naquilo que a OIT propõe neste relatório como “a refundação do contrato social”, é fundamental a renovação das instituições que governam o mercado de trabalho. Só com a ação comprometida dos governos, das organizações representativas dos trabalhadores e dos empregadores, será possível assegurar, contra todos os riscos, o pleno emprego e garantir o trabalho digno, com direitos, com salários justos e a gerar mais valor para a economia.

Senhores Delegados,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Também em Portugal as questões do mercado de trabalho estão bem vivas na agenda política e no debate público.

Temos um compromisso sólido com a Organização Internacional do Trabalho desde há mais de 40 anos. Durante os anos mais difíceis da crise económica e financeira que nos atingiu, a OIT foi decisiva, por trazer para o debate dados e estudos que ampliaram o nosso conhecimento sobre o mercado de trabalho português. Por exemplo, a ideia de que Portugal tinha um mercado laboral excessivamente rígido e que, por isso, o aumento da produtividade exigia a flexibilização das leis laborais foi uma das noções que pudemos contrariar, com base nesses estudos comparativos.

Durante o período da crise, as políticas de austeridade e a insistência num modelo de competitividade assente na desregulação laboral e nos baixos salários tiveram um impacto muito negativo na economia e no emprego. O desemprego atingiu patamares nunca conhecidos em Portugal, alcançando uma taxa de 17,5%.

Ao mesmo tempo, o país sofreu a uma vaga de emigração sem paralelo desde os anos 60, gerando perdas no seu capital mais valioso: as suas pessoas, o seu talento e as suas qualificações.

É por isso que o Governo português assumiu, desde o primeiro momento, a necessidade de abandonar o projeto incoerente de «austeridade expansionista» a que o país foi sujeito durante a crise. Pelo contrário, investimos numa estratégia para a economia e para o emprego que combina a modernização e a inovação das estruturas económicas com a valorização do trabalho, repondo rendimentos e direitos e criando empregos.

É por isso que nos comprometemos com a reposição de rendimentos e com o aumento faseado do Salário Mínimo, que ascende já a quase 20%.

É por isso que iniciámos um programa de combate à precariedade; que revimos as políticas ativas de emprego e relançámos o diálogo social, alargando à concertação social o debate em torno de uma estratégia para a década que visa superar os bloqueios estruturais da economia portuguesa.

Uma estratégia de crescimento sustentável não pode passar pela desvalorização do trabalho. Deve apostar na capacidade de criação de valor acrescentado. Isso implica um grande empenho na correção do nosso atraso estrutural em matéria de educação, de formação e de qualificação de toda a população.

De facto, só a aposta num modelo de «desenvolvimento competitivo» permitiu relançar a economia portuguesa e o emprego de forma sustentável, criando condições para a geração efetiva de riqueza e de bem-estar e para uma crescente afirmação externa do nosso país.

E é por isso também que apostamos na inovação tecnológica e no reforço da articulação entre os sistemas de formação e ensino e os tecidos produtivos. Porque se há coisa que todos sabemos sobre o trabalho do futuro, é que exigirá mais qualificações e não menos. Mais inovação e não menos. 

Os resultados destas opões são hoje visíveis.

Nos últimos três anos, o PIB português cresceu 7%, acima da média da UE, permitindo uma convergência real com as outras economias da UE, que não acontecia desde que aderimos ao Euro.

O desemprego caiu 5,6 pontos percentuais desde 2015, atingindo 6,5%, a taxa mais baixa dos últimos 16 anos. O desemprego de longa duração e o desemprego juvenil diminuíram mais do que o desemprego total. Ao mesmo tempo, a segurança do emprego aumentou: os contratos permanentes representam 81% da criação líquida de postos de trabalho. Temos assim conseguido aumentar o rendimento das famílias e diminuir o risco de pobreza.

Não posso deixar de salientar que a definição destas novas políticas beneficiou de uma estratégia de concertação com os parceiros sociais.

Queremos prosseguir este caminho: incorporar as mudanças nos modos de organizar os processos produtivos e potenciar a competitividade das empresas através do investimento em infraestruturas tecnológicas, em novos processos de gestão, na ciência e na qualificação dos recursos humanos. Mas sem perder de vista a defesa da dignidade do trabalho, do diálogo social e da negociação coletiva ou o quadro de direitos e deveres para com o Estado Social.

No fundo, garantindo que, no futuro, o trabalho será sempre trabalho com direitos. Estes são princípios fundamentais de uma economia inovadora e criativa, que gera riqueza e cria emprego, mas também de uma sociedade mais justa, solidária e inclusiva, que democratiza o trabalho e o bem-estar e não deixa ninguém para trás.

Nesta agenda de futuro, contamos com o contributo da OIT, como um dos atores mais relevantes da governação global, unindo esforços com os seus parceiros aos níveis internacional, regional e nacional para defender a dignidade do trabalho e o importante legado que construiu nestes 100 anos.

Podem contar connosco no desafio que têm pela frente.

Obrigado.

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