Sessão de Abertura do Simpósio Internacional de Indicações Geográficas

02 julho 2019 – 14h30

Pátio da Galé - Praça do Comércio

 

É com grande satisfação que Lisboa acolhe o 9.º Simpósio Internacional em Indicações Geográficas.

Volvidos, precisamente, 61 anos da celebração do Acordo de Lisboa relativo à proteção das denominações de origem e ao seu registo internacional, a matéria das denominações de origem, na sua vertente mais ampla, a das indicações geográficas, regressa à cidade que consagrou a sua proteção internacional. É, por esta razão, um orgulho receber-vos aqui e inaugurar este palco de partilha e troca de ideias sobre as dimensões cultural, jurídica e económica destes direitos de propriedade industrial.

Juntamo-nos hoje aqui porque, um dia, os nossos antepassados acordaram antes do sol e desbravaram a terra, venceram o vento e aproveitaram as chuvas contornaram as florestas e escolheram os pastos; porque teceram as lãs, moldaram o barro e aqueceram no ao fogo e porque ensinaram o que aprenderam às gerações que se lhes seguiram. Foi neste contexto que se criou um saber fazer específico e se afirmou uma tradição produtiva única. Por esta razão, este Simpósio é também o reconhecimento e a celebração da herança cultural de todos e de cada um de nós. Em cada país há pelo menos um produto que traduz e materializa a sua identidade cultural e que é produzido reiteradamente seguindo em pormenor regras pré-determinadas permitindo-nos, no presente, reviver o sabor do passado… e é esta herança

cultural, a mais valiosa de todas, que nos cumpre aqui também celebrar.

Estamos, assim, unidos numa causa com que todos nos identificamos e este nosso interesse na forma contínua como abordamos cultural, económica e  juridicamente as indicações geográficas tem vindo a intensificar-se ao longo dos anos, como o testemunham as diferentes perspetivas em que foram analisadas nos 8 Simpósios que precederam este que nos reúne.

As indicações geográficas são instrumentos que:

- promovem o desenvolvimento rural em função da manutenção da localização territorial do centro produtivo, permitindo aos consumidores locais darem-se a conhecer e protegerem-se contra usurpações indevidas,

- contribuem para o crescimento económico, - asseguram a preservação da biodiversidade e do património cultural e - incrementam o turismo. Nos seus extremos todos beneficiam… os produtores, porque recebem a devida recompensa económica e o reconhecimento pelos seus esforços na preservação da qualidade… e os consumidores, porque consomem produtos de qualidade com a certeza de que a respetiva produção obedeceu a um método único com uma origem geográfica específica. São direitos de propriedade industrial cuja proteção jurídica supranacional conheceu um aperfeiçoamento exponencial em resposta às necessidades trazidas pela expansão do comércio internacional no século XIX que evidenciou, a partir de um certo momento, que as normas protetoras nacionais, nos casos em que existiam, eram insuficientes para assegurar a sua proteção.

Recordo aqui, no plano internacional, a Convenção da União de Paris de 1883 que já incluía estes direitos no espírito censurador das falsas indicações de procedência e da concorrência desleal, o Acordo de Lisboa de 1958 que internacionalizou o registo das denominações de origem, o Acordo Sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio de 1995 que os assentou na mesa de trabalho da Organização Mundial do Comércio e, mais recentemente, o Ato de Genebra relativo ao Acordo de Lisboa, que estendeu o registo internacional às indicações geográficas em si mesmas, a partir de uma gestão administrativa assegurada pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual.

E esta nova realidade jurídica, firmada pelo Ato de Genebra, permitiu à Comunidade Internacional dar mais um passo na internacionalização das indicações geográficas uma vez que, ao assegurar uma ampla recetividade aos seus membros, permitiu a adesão de organizações intergovernamentais. Tornou-se assim possível a adesão da União Europeia que embora ainda em negociação, a verificar-se, reforçará manifestamente os pilares jurídicos e económicos da União de Lisboa.

A própria União Europeia, ciente da importância das indicações geográficas de alguns Estados-Membros, chamou a si em 2006 a sua proteção jurídica, envolvendo-as num corpo jurídico que as tutela no mercado único a partir do momento em que são registadas na Comissão Europeia. E neste exercício protetor, a União Europeia acolheu igualmente alguns produtos provenientes de países terceiros, nomeadamente da Colômbia, do Brasil e da Índia.

Portugal, que orgulhosamente vos acolhe neste Simpósio, procurou desde cedo assegurar a proteção jurídica das suas indicações geográficas e denominações de origem não só através do Código da Propriedade Industrial, como também pela adoção de Leis e Decretos-Lei que disciplinam com rigor a produção de produtos, nomeadamente vitivinícolas, e o uso de certas palavras aos mesmos associados, de forma a ser possível garantir a sua utilização exclusiva pelos agentes económicos autorizados. Por fim, juntam-se a esta atuação protetora, os acordos bilaterais celebrados entre alguns Estados, com vista a assegurar nuns o reconhecimento e a proteção das indicações geográficas de outros.

Constata-se, assim, que há muito trabalho nacional, regional e internacional feito.

Em 2018, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia deu-nos a conhecer que 60 biliões de euros eram perdidos, anualmente, devido à contrafação em 13 setores específicos, dentre os quais o setor dos vinhos e bebidas espirituosas que correspondem a produtos suscetíveis de proteção como indicações geográficas. Aliás, já em 2016 o mesmo Instituto se tinha debruçado, especificamente e pela primeira vez, sobre a infração das indicações geográficas protegidas para vinhos, bebidas espirituosas, produtos agrícolas e alimentares, na União Europeia tendo concluído que a infração das indicações geográficas, que ocorria dentro das fronteiras da União Europeia, já correspondia a 9% do mercado total destes direitos de propriedade industrial, traduzido em 4.3 bilhões de euros. Além disso, os consumidores perdiam anualmente 2,3 bilhões de euros ao pagarem o que acreditavam ser um produto genuíno de uma indicação geográfica quando, na realidade, mais não eram do que vítimas do fenómeno da decetividade.

Esta preocupação é mais uma que nos deve unir e entusiasmar as nossas exposições em busca de soluções que nos protejam deste flagelo que abala a integridade da nossa economia e ameaça a saúde e a segurança dos nossos povos.

Em suma, o meu desejo é o de que, à semelhança do que aconteceu há 61 anos atrás, Lisboa possa, uma vez mais, dar um significativo contributo para os direitos de propriedade industrial.

Que possa, de alguma forma, entusiasmar as considerações que os presentes aqui nos trazem e servir de inspiração para eventos futuros com o mesmo propósito deste.

Um muito obrigado por se juntarem a nós, neste território que, ele próprio, se divide em muitas indicações geográficas protegidas cujos produtos nos permitem sentir Portugal, em todo o seu esplendor, no conforto dos nossos lares.

É, assim, com particular entusiasmo que inauguro o presente Simpósio com a certeza de que as reflexões partilhadas pelos aqui presentes contribuirão igualmente para o aperfeiçoamento da análise destes direitos da propriedade industrial que, como referi, são a herança cultural que nos foi deixada pelos nossos antepassados.

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