CDH 52 - Segmento de Alto-Nível
Intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal
28 de fevereiro de 2023
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Tempo de intervenção – 7 minutos
Senhor Presidente do Conselho dos Direitos Humanos,
Senhor Presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas,
Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas,
Senhor Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos,
Caras e caros colegas,
Minhas senhoras e meus senhores,
É para mim um grande privilégio representar Portugal no Conselho de Direitos Humanos – a primeira vez que o faço enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros do meu país.
Fazê-lo em português – património comum de cerca de 270 milhões de pessoas em todo o mundo – é uma honra adicional. A defesa do multilinguismo é uma prioridade constante na ação externa de Portugal.
Senhor Presidente,
Gostaria de começar por felicitá-lo pela sua eleição. Felicito também Volker Türk pela sua nomeação como Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A ambos garanto que poderão continuar a contar com o pleno apoio de Portugal aos vossos mandatos e com a nossa inteira colaboração para promover nas Nações Unidas e no âmbito mais lato da nossa ação externa, todos os direitos humanos.
Senhor Presidente,
Celebramos este ano um conjunto importante de aniversários.
75 anos volvidos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e 30 anos após a Declaração e Programa de Ação de Viena, afigura-se-nos hoje pertinente recordar alguns dos princípios vertidos para esses documentos fundacionais.
Recordar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Recordar as ocasiões em que o desprezo pelos direitos humanos resultou em barbárie que ainda hoje ofende a consciência coletiva da humanidade.
Recordar a indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos, sejam civis, culturais, económicos, políticos ou sociais.
Recordar que cabe aos Estados a obrigação tripla de respeitar, proteger e realizar os direitos humanos.
Estas não podem ser meras palavras ocas.
Importa redescobrir o potencial transformador destes documentos que nos orientam, importa reavivar o espírito que levou à sua adoção, importa reanimar a letra dos seus artigos.
Senhor Presidente,
São muitos os desafios com que nos confrontamos em 2023.
Ao meu continente – a Europa – regressou o temível espectro da guerra, ilegal e brutalmente provocada pela Rússia cuja inequívoca condenação nunca é demais repetir.
Um pouco por todo o mundo – na Ásia como em África, passando pelo Médio Oriente – grassam conflitos armados, distúrbios, crispação e violações e abusos de direitos humanos. Assistimos, com muita preocupação, a grandes retrocessos e a persistentes violações dos direitos humanos das mulheres e meninas.
O mundo começa lentamente a recuperar da pandemia da COVID-19. Mas, à semelhança do que aconteceu durante a fase mais crítica da pandemia, nomeadamente no acesso a vacinas e equipamentos de saúde, esta recuperação também se processa de forma muito desigual entre as pessoas nos vários cantos do mundo. E os seus efeitos nefastos, muitos ainda pouco conhecidos, fazem-se ainda hoje sentir a tantos níveis, como na saúde, educação ou no mundo do trabalho.
A crise inflacionista, a pobreza energética e a insegurança alimentar agravam a situação de vulnerabilidade de muitas pessoas, atingindo com particular acuidade os migrantes, os refugiados e requerentes de asilo, as pessoas idosas, com deficiência e as crianças e jovens.
Acrescem desafios como a emergência climática, a digitalização das sociedades e o acentuar de injustiças sociais e desigualdades económicas que continuarão, no médio e longo prazo, a impactar gravemente a realização dos direitos humanos.
A erosão democrática e o recrudescer da desinformação, a ameaça contínua do terrorismo, a persistente chaga da discriminação, do ódio, do racismo e da xenofobia testam também a solidez e coesão das nossas comunidades.
Senhor Presidente,
Como dar resposta a tais desafios, que – pela sua magnitude e extensão – podem parecer intratáveis e incomensuráveis?
Portugal crê que colocar o respeito pelos direitos humanos no centro da nossa ação governativa, alicerçar as políticas públicas numa fundação segura que simultaneamente garanta e se norteie pelos princípios fundacionais dos direitos humanos, como são o do respeito pela dignidade humana, da igualdade e não discriminação, liberdade e participação, devem constituir os primeiros passos sem os quais qualquer resposta aos desafios globais resultará inevitavelmente incompleta ou ineficaz.
E, como nenhum Estado age de modo isolado, apartado dos demais, como os direitos humanos são por natureza universais, a aposta séria por que nos devemos bater é aquela que pretende imprimir novo fulgor ao multilateralismo, com a Organização das Nações Unidas no seu cerne.
Por isso Portugal apoia sem reservas o trabalho do Secretário-Geral das Nações Unidas, seja através da Nossa Agenda em Comum ou do Apelo à Ação para os Direitos Humanos, verdadeiros roteiros para a defesa do sistema multilateral.
Defendemos também uma ONU paritária, na qual os seus três pilares disponham de igual importância e de recursos adequados. Não há paz e segurança sem direitos humanos e sem direitos humanos não existe também desenvolvimento sustentável. Pugnamos, assim, por que este Conselho seja elevado a órgão principal das Nações Unidas e por que os trabalhos que aqui se desenvolvem vão de mão em mão com as iniciativas do Conselho de Segurança.
Fazer face aos desafios globais passa necessariamente pelo reforço do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Dum sistema eficaz que previna violações e abusos de direitos humanos e que, quando estes ocorram, assegure responsabilização para os que os perpetram. Dum sistema independente que salvaguarde a autonomia do Alto Comissário e seu Escritório. Dum sistema amplo que continue a fortalecer os Órgãos de Tratados bem como este Conselho e seus vários mecanismos, desde a Revisão Periódica Universal ao sistema de Procedimentos Especiais. Dum sistema aberto e dialogante, que inclua os atores da sociedade civil e proteja defensores de direitos humanos de represálias.
Senhor Presidente,
Portugal não se esquivará a este esforço de robustecer o sistema multilateral de direitos humanos, participando ativamente nele.
Continuaremos, aqui em Genebra, a liderar o Grupo de Amigos sobre os Mecanismos Nacionais de Implementação, Reporte e Seguimento das obrigações e recomendações internacionais de direitos humanos.
Dentro de dias, apresentaremos neste Conselho – como o fazemos já desde a década de 1980 – uma resolução sobre a realização em todos os países dos direitos económicos, sociais e culturais. Apresentaremos também, juntamente com o Brasil, uma resolução sobre saúde mental e direitos humanos. Mais tarde, em junho, apresentaremos uma resolução sobre o direito à educação.
Orgulhamo-nos de nos últimos anos termos sido dos maiores contribuintes para o Fundo Fiduciário que permite a participação de Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e de Países Menos Desenvolvidos neste Conselho.
De modo mais lato, prosseguiremos ainda esforços em outras áreas que consideramos prioritárias: a abolição da pena de morte, a promoção da igualdade de género, o combate ao racismo, a proteção dos direitos humanos dos jovens e dos migrantes, a consagração de uma abordagem baseada nos direitos humanos ao VIH/SIDA bem como à política de drogas, a implementação do direito ao ambiente ou a responsabilidade das empresas em matéria de direitos humanos.
Senhor Presidente,
Garantir os direitos humanos dos migrantes é uma obrigação que não descuramos, até porque fomos dos primeiros países a aprovar um Plano de Implementação do Pacto Global das Migrações. O modelo “one stop shop” dos Centros Nacionais e Locais de Apoio à Integração de Migrantes, que recebem todos os migrantes independentemente do seu estatuto jurídico, tem sido considerado uma boa prática a nível internacional.
Orgulhamo-nos ser um dos países que menos diferenciam nacionais de migrantes em termos de proteção social, acesso à saúde e educação.
Tendo este compromisso interno como alicerce e o trabalho realizado de forma exemplar, ao longo do primeiro mandato, Portugal encontra-se plenamente empenhado e confiante na reeleição de António Vitorino ainda este ano para um segundo mandato como Diretor-Geral da Organização Internacional para as Migrações.
Senhor Presidente,
Permita-me que conclua regressando ao início da minha intervenção.
Recordando, neste ano de aniversários, os princípios basilares do direito internacional de direitos humanos.
Princípios que deveriam inspirar a nossa ação conjunta e animar o cumprimento das obrigações a que estamos vinculados enquanto Estados.
Princípios que constituem a base de uma resposta séria aos desafios globais do mundo de hoje.
Procuremos, pois, reforçar o diálogo e apostar na cooperação, com a abertura necessária às críticas dos nossos pares e sempre dispostos a recebê-las num espírito construtivo, com vista a melhorar.
Firmemente alicerçados neste sistema multilateral de direitos humanos, combatamos juntos as desigualdades, lutemos sem tréguas contra a discriminação, respeitemos todos os direitos humanos de todos.
Muito obrigado.